Godard está vivo, sempre

Por Francis Ivanovich:

A primeira vez que ouvi falar de Jean-Luc Godard foi no ano 1985, eu tinha 22 anos, quando seu longa “Je Vous Salue, Marie” foi proibido de ser exibido no Brasil, porque o enredo foi considerado ofensivo a igreja católica.

Eu já sonhava fazer Cinema, algo impensável para um jovem operário, gráfico, proletário que veio do fim do mundo, que mal tinha acesso à cultura, num país saindo das garras da ditadura militar. Neste filme, Godard cria imagens e uma narrativa que aborda a espiritualidade moderna e a relação entre corpo e espírito. Godard sempre foi um pensador.

Quando assisti com atenção o seu Acossado, 1959, um dos filmes mais importantes do movimento Nouvelle Vague, no curso de direção cinematográfica, na querida Escola de Cinema Darcy Ribeiro, compreendi que os cineastas franceses – François TruffautJean-Luc GodardAlain ResnaisClaude ChabrolAgnès VardaJacques RivetteChris Marker e Eric Rohmer, que também trabalhavam como críticos de cinema na revista Cahiers Du Cinéma – eram muito mais do que alguém com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Eles eram, sobretudo, poetas.

Andrei Tarkovski, um grande poeta do cinema, nos ensina que existem dois tipos de cineastas: os que reproduzem a realidade do mundo, e os que criam o seu próprio mundo. A esses últimos, ele os denomina poetas.

Desde que realizei meu primeiro trabalho audiovisual, em 2008, com pouco mais de 30 anos de idade, tenho tentado fazer poesia com a câmera. Entre muitas falhas, tenho perseguido esse objetivo. E a influência de Godard é infinita.

Meu recente trabalho, CINELOVE, interpretado pela jovem atriz Victoria Alves, que também é técnica de som direto, é a prova da influência que mestres, como Godard, exercem. Eu e Victoria ficamos três dias e três noites, sem descanso, filmando, criando, e lá estavam esses poetas ao nosso lado, a nos guiar, mestres como Varda e Godard.

Ao saber da morte de Godard, a jovem atriz me enviou a seguinte mensagem nesta manhã de terça-feira: “Que coincidência trágica a realização de CINELOVE“.

Mensagem da atriz Victoria Alves.

Hoje o mundo inteiro está falando e escrevendo sobre Godard. Por mais que eu também fale ou escreva, não conseguirei expressar toda a minha admiração e respeito pelo grande artista.

Dizem Godard como pessoa era bem difícil, quase insuportável. Não me importa. O que importa é que Godard, assim como outros grandes artistas, tornaram a nossa vida menos medíocre.

A arte é fundamental à vida. A pandemia provou isto. Sem arte a humanidade estaria praticando o canibalismo explícito. Somos mais humanos não por causa das religiões, mas muito pela presença em nossas vidas da poesia, literatura, música, pintura, dança, cinema, etc.

Godard não morreu, está bem vivo, em cada um de nós que ama o Cinema. Sempre.

*Francis Ivanovich é cineasta e jornalista.

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