
*Por Francis Ivanovich:
Volta e meia, alguém me pergunta: por que você escreve? As respostas são muitas, porém, o que posso dizer é que se você observar atentamente a vida, ela que pulsa todas as histórias, disponíveis para a percepção dos seus sentidos, perceberá claramente que ela, a grande vida é toda Literatura. Eu não escrevo, a vida me inscreve.
Somos a folha de papel, o rascunho na expectativa de versão final de um texto que não se encerra. As histórias desfilam diante dos nossos olhos, infinitamente, e as falas penetram nossos ouvidos, fazendo nosso coração ghost writer bombear palavras, fazendo circular em nós a seiva-sentido, o oxigênio-história, a própria experiência vivida.
Somos o pergaminho em que a vida inscreve sua poesia, romance, conto, novela, crônica, frase, silêncio e música, e etc.
A vida nos inscreve todos os dias, como quem reza ao despertar do Sol, e somos um velho relógio de parede a observar o milagre do instante, do encontro, do esbarrão do acaso, a incongruência temporal do agora.
Recentemente vivi experiência singular. De uma riqueza humana absoluta. Tive o privilégio de estar no balcão do bar no espaço cultural Saravá Prainha, dos companheiros do Núcleo Saravá Cultural, durante toda a noite, como um garçom que, ao invés de servir, foi servido de bandeja com personagens saborosos, situações doces e salgadas, em detalhes sutis e etílicos, capazes de ocupar a biblioteca de uma Alexandria perdida.
Olhares, gestos, falas, repetições, desejos, medos, solidão, euforia, tristeza, impulsividade, vazio, ingenuidade, frustração, insegurança, crenças, alegria, um cardápio humano intenso; o menu das humanidades.
A busca pelo contato físico e da alma, o desejo de encontrar alguém que te veja, te ouça, te sinta, te segure a mão, te ame, iludindo um coração solitário. A vida, como aranha louca, a rabiscar no invisível o destino das personagens da noite pegas numa teia de esperança e sorte. Um roteiro de um filme de David Lynch.
A vida é fiandeira, como na tela de Diego Velázquez (Foto: quadro As Fiandeiras), a nos inscrever o desafio de ser inteiro.
Encerro este texto, não com um ponto final, porque nada se extingue até que de fato desapareçamos desta terra, mas com a declaração de amor à Literatura.
A Literatura personificada na autora insana de tudo isto, a Senhora Vida, a fiandeira talentosa e insaciável. Ela quer nos inscrever, todos os dias, novos episódios para serem exibidos na tela dos nossos olhos.
*Francis Ivanovich é jornalista, autor, cineasta e produtor cultural.