A noite em que a Soul Grand Prix enfrentou a Ditadura Militar 

Por Sir Dema:

Guadalupe Country Clube um clube da zona Norte do Rio fica localizado na Avenida Brasil (sentido Santa Cruz), no bairro de Guadalupe. Sua faixada de cor azul e branco é imponente, se destaca no meio do Conjunto Habitacional do antigo BHN(Banco Nacional de Habitação), de cor amarelão padrão. A pouco mais de um quilômetro da Vila Militar, um conglomerado de Quartéis do Exercito e uma unidade da temida Polícia do Exército (PE), que com frequência, entrava nos clubes, onde aconteciam os bailes, atrás de jovens soldados que nas suas  folgas frequentavam os eventos, em busca de diversão.

Pavuna, Marechal Hermes, Anchieta, Parque Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Costa Barros, Barros Filho, Honório Gurgel, o comentário era geral, afinal naquela noite de 1976, o Guadalupe, o grande clube local, seria palco de uma das cenas mais emblemáticas do movimento que vivia em pequenos clubes dos guetos carioca e que seria, muito em breve, conhecido mundialmente como Black Rio. O movimento que mudou a cena da musica negra no Brasil descobriu talentos como Carlos Dafé, Gerson King Combo, Banda Black Rio, Banda União Black, Sandra de Sá, Tony Bizarro.

Por volta das dez horas, Caminhões, Kombis, Caminhonetes dão inicio a um movimento frenético com dezenas de homens jovens descarregando os equipamentos de som uma verdadeira guerra sonora estava para ser montada. No salão cais de som começam a ser empilhadas uma sobre as outras, formando  paredões de caixas pretas, com seus alto falantes devidamente ajustados.  Grossos cabos de energia são estendidos no salão e ligados a fonte de energia, estes alimentaram os equipamentos. Técnicos iniciam o processo de cabeamento da rede de energia, para os poderosos amplificadores que irão empurrar o som madrugada à dentro. 

Em outro canto do salão um jovem testa a iluminação, luzes azuis, verdes, amarelas e vermelhas se misturam dando um brilho colorido que, junto com a luz dos estroboscópios, criam o clima ideal para a pista balançar. Dois jovens esticam uma corda que foi lançada na parte alta da estrutura de metal do clube e puxam um enorme globo espelhado que irá girar e completar o clima da noite. 

O técnico já ligou as caixas aos amplificadores e agora inicia a passagem do som, dois toca- discos e um mixe (nada perto do que temos hoje no mercado), Toca -discos Garrad Gradiante, Sony… Uma verdadeira batalha entre o discotecário e sua ferramenta de trabalho, praticamente sem recursos.

Guadalupe Country Clube.

Nesta noite o Guadalupe Country Clube será palco do lançamento do primeiro LP da poderosa equipe Soul Grand  Prix, uma coletânea assinada pela Top Tape que conta com músicas já consagradas nos bailes e que o público  sonha em ter na sua discoteca. NT-Kool and Gang; Heartbeat-El Coco; There Was a time- Gene Chandler; Get Satisfied-The Eliminatores; são algumas das músicas que comporão o disco de capa azul com tons avermelhado com o desenho de uma linda mulher negra, pilotando uma super motocicleta, uma homenagem a uma personagem real. Dai, este era o nome daquela negra linda, que pilotava a moto na capa do Lp Soul Grand Prix. 

Tarde do dia 10 de abril 1976, o movimento já é grande em frente ao Guadalupe  clube. Centenas de jovens vestindo suas roupas coloridas, pisantes(sapatos) de dois, três e até quatro andares com cores variadas, bengalas, calças de boca muito justas, coladas, paletós, chapéus, coletes, óculos escuros, Cachimbos, cabelos black power, túnicas, uma variedade de trajes que remetiam a ancestralidade africana, ao movimento pelos direitos civis americanos, as capas de discos…

O baile começaria as vinte horas, por volta das dezenove já se podia ver um grande número de frequentadores ocupando uma das pistas de subida da avenida Brasil, iniciava-se um processo que ninguém havia previsto. 

Às dezenove horas, as roletas são liberadas para o acesso, seguido de um tumulto inicial que só aumentaria nas próximas horas, era a música soul pulsando diretamente na veia e nos corações juvenis, que aguardaram  por semanas aquele momento.

As vinte uma horas, não havia mais como chegar ao salão onde os equipamentos estão montados e, as duas pistas de subida da Avenida Brasil encontram-se  literalmente tomadas por uma massa de jovens que se aglomerava na porta do clube, na expectativa de conseguir entrar. Com capacidade para cinco mil pessoas, o salão já contava com mais de sete mil,  que se espremiam e tentavam alguns passos dançantes, impossível chegar até a formação das equipes, impossível ficar coladinho na equipe que acompanhava, impossível.

Do lado de fora, cerca de quinze mil jovens ainda sonhavam em dançar com o discotecário Luizinho Disck Joquey e a dona da noite a  Soul Grand Prix com o seu lema: É som, é sucesso, é Soul Grand Prix! Mr. Paulo Santo com a Black Power e o seu Soul de Verdade, Santos Brazilian Soul e seus discursos e balanços extremos, diretamente da Baixada Fluminense, Mr. Queixada a sua Boot Power, impossível perder este baile.

Nos toca-discos Luizinho solta Headquarters(Augusta,GA.) Bobby Byrd; uma das músicas do LP da SGP, gritos, euforia, um público delirante pula as grades do  cercado da piscina que estava vazia e transforma em pista de dança, uma roda é improvisada para que os dançarinos possam evoluir suas coreografias. Do lado fora, a massa pressiona, a Avenida Brasil vira uma gigantesca pista de dança, as passarelas que ficam em frente ao clube transformaram-se em palcos e o público freneticamente dança  ao som que sai das caixas da Soul Grand Prix.

Em dado momento, os portões de ferro não suportaram a pressão e vão abaixo, não tinha o que invadir, não tinha como entrar. 

Sirenes, Cassetetes, Capacetes azul e branco, calças de instrução, coturnos, guarnições da PM chegando para reprimir, um jovem oficial chega e avisa: a ordem é para acabar com esta bagunça! Vamos liberar o perímetro!

O oficial, dirige-se a um jovem, negro, magro, alto e com uma tranquilidade ímpar, perto de completar seus vinte e sete anos, é você o responsável por isso? Um clima tenso no ar, clima de intimidação por parte do oficial e seus comandados. O jovem negro com nome engraçado chama-se Don Filó um dos produtores da noite e Líder da SGP que logo estabeleceu um diálogo com o oficial em busca de um acordo, pela continuidade do baile, conforme programado.

 São momentos tensos no decorrer do diálogo, onde os protagonistas buscam ambos o convencimento da outra parte aos seus argumentos. Ao final, é fechado acordo de que o baile iria até uma da manhã e não até as quatro como previsto. E assim foi.

Naquela noite, a Soul Grand Prix lançou o seu primeiro disco, o primeiro disco produzido por  uma equipe de som, o primeiro disco direcionado ao público jovem que curtia os bailes de soul e, o Black Rio teve seu primeiro confronto com o regime militar.

*Sir Dema, Dj, Produtor e Pesquisador e Secretário de Organização do PT RJ.

Colaboradores  Asfilofio Filho Filó  Dom Filó Nirto Edinho “O Cara* Lucas Pedretti.  

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