Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: resistência e luta contra a desigualdade

Por Francis Ivanovich (fotos de Ierê Ferreira):

Ao estudar audiovisual, aos nossos jovens estudantes geralmente são apresentados os grandes mestres do Cinema cujas matrizes são Europeias, Norte-americana, e os movimentos no Brasil como a Chanchada, Cinema Novo, Boca do Lixo, etc.

Passei por isso na minha formação. Enquanto alunos entramos em íntimo contato com um cinema feito por cineastas oriundos de uma elite branca, de países que sempre impuseram suas ideias e produtos, dando continuidade a um processo de permanente colonização cultural. Somos levados a ignorar, por completo, o cinema feito no continente Africano, bem como suas demais manifestações artísticas e culturais.

(Foto de Ierê Ferreira).

Jamais estudei este cinema em cursos ou escolas tradicionais, eu vim a descobri-lo, há alguns anos, por conta própria, cuja fonte original foi a poesia africana representada por importantes poetas africanos de língua portuguesa, de países como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A poesia me aproximou da África e consequentemente do seu cinema.

Ontem fui ao Cine Odeon para assistir a potente abertura do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul 2022, que está comemorando 15 anos, sendo uma das mais importantes mostras de cinema negro do mundo, promovido e organizado pelo Centro AfroCarioca de Cinema, dirigido por Biza Vianna, viúva de Zózimo Bulbul, cineasta e ator que nos deixou em 2013, ele que foi um dos mais importantes defensores e divulgadores do cinema negro brasileiro e africano.

No palco, sob a tela do Odeon, vi um Brasil e uma África que resistem contra a imposição da invisibilidade e discriminação. No caso do cinema negro brasileiro, nesses tempos de retrocesso assustador em direção ao mofado e perigoso fascismo, o evento adquire relevância mais que necessária, assumindo naturalmente papel de resistência, de luta.

De acordo com o IBGE, os negros e pardos representam a maioria da população brasileira, ou seja, cerca de 54% da população, superando 204 milhões de brasileiros. Mesmo assim, ainda segundo o IBGE, os negros correspondem a apenas 17,4% da população mais rica do país e atuam apenas em cerca de 18% dos cargos mais importantes.

No que tange ao salário, ele corresponde a cerca de 80% do rendimento de um branco que exerça a mesma função profissional; e que cerca de 80% das empregadas domésticas no Brasil são afrodescendentes. Os afrodescendentes representam cerca de 63% dos mais pobres e 69% dos indigentes, nos revela ainda o IBGE.

Esta desprezível desigualdade pode aprofundar-se gravemente, caso o projeto fascista, em curso, consiga se estabelecer por mais quatro anos. Consequentemente, a população negra brasileira, essa autêntica Nação, além de ser a primeira a sofrer as consequências, verá sua Cultura e seu Cinema ainda mais afetados, exigindo dos seus artistas e produtores um esforço ainda maior para superar os obstáculos que pretendem impedir seu desenvolvimento e liberdade de expressão.

Este festival deveria ser matéria obrigatória para todas as escolas públicas e privadas da nossa juventude, na cidade do Rio de Janeiro, bem como dos cursos de cinema presenciais ou online. Além de receber apoio total de governos democráticos, facilitando o acesso das comunidades aos filmes. Não é mais possível ignorar tão potentes criadores e criações, além de continuarmos reféns de um determinado Cinema que nos enxerga como caça-níquel e anestesiado gado.

Até 24 de outubro, nas salas do Cine Odeon, do Centro Cultural da Justiça Federal e Estação Botafogo, temos a oportunidade de decolonizarmos nossa alma, despertando nosso olhar, abrindo o coração para uma riqueza cultural de uma estética ímpar, materializada na tela por 106 filmes brasileiros e 39 internacionais, percorrendo criticamente temas tão relevantes para a nossa vida e liberdade coletiva e individual.

O Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul 2022 é mais que um evento de resistência, é sim, sobretudo, a imagem e voz na tela do Brasil, África e Diásporas que lutam contra a infame desigualdade.

Axé ao festival e a seus organizadores!

Site do Festival: http://afrocariocadecinema.org.br/encontro2022/

*Francis Ivanovich é jornalista, cineasta, autor teatral, produtor cultural e criador do Prêmio Nacional de Dramaturgia Flávio Migliaccio, editor deste Blog Saravá Cultural.

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