Por Paulinho Sacramento:
Não é exagero dizer que o racismo foi elemento central na história da proibição da maconha e, aqui no Brasil, o preconceito foi escancarado no próprio texto das leis, abrindo caminhos tortuosos que levaram ao proibicionismo e suas consequências, sempre mais nefastas para as minorias.
As primeiras leis miravam escravos e negros libertos e a criminalização da erva era também uma maneira de criminalizar as pessoas que faziam uso dela, principalmente aquelas de origem africana.
A proibição da maconha é racista e o Brasil tem papel fundamental na criminalização da erva no mundo, isso porque a primeira lei do mundo a criminalizar o uso da maconha, em 1830, é um produto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
O primeiro documento que penalizava a venda e o uso do “pito de pango”, como era conhecida a Cannabis em nosso país, cujo hábito de consumo recreativo era associado aos africanos escravizados que teriam trazido essa cultura (e as sementes) de seu continente de origem.
A erva tinha diversos nomes de origem africana, como diamba, bangue, maconha, fumo de angola, pito de pango, riamba, liamba e seu uso era disseminado entre os negros, que passaram a cultivá-la no Brasil.
Dizia o texto da lei: “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia”.
Foi nesse ambiente que muitos elementos da cultura brasileira de raiz africana passaram a ser identificados como perigosos e criminalizados. O costume de se consumir maconha, inclusive” (SAAD, p. 70. 2019).
Em clara expressão de racismo estrutural, no século XIX no Rio de Janeiro, punia-se com prisão, muito antes de qualquer convenção internacional, o usuário, negro escravizado ou pessoa pobre, enquanto um eventual vendedor branco seria punido apenas com multa.
Chegando no século XXI, a proibição como estratégia racista de controle social continua, o texto da lei 11.343/06 diz que, para determinar se a droga se destinava a consumo pessoal, o juiz deve analisar a quantidade apreendida, o local da apreensão e o histórico de vida do acusado.
Estes critérios podem servir para sentenciar por tráfico, com uma pena de 5 a 15 anos de prisão, o indivíduo preso em alguma região pobre, pelo simples fato do local ser dominado por traficantes.
O juiz pode alegar que se ele estava naquele lugar, também deve trabalhar para o tráfico. A questão do histórico de vida é outra covardia. Neste caso, pode se aplicar a regra do “uma vez traficante, sempre traficante”.
Com raízes no preconceito, a tal “guerra às drogas” pode ser considerada um dos maiores fracassos da humanidade, tendo produzido apenas mais mortes, mais corrupção, mais violência, mais injustiças e claro, mais drogas e mais dependentes.
Ocorre que o consumo da maconha condiz ao maior consumo de drogas ilícitas no mundo, correspondendo apenas no ano de 2013 a 200 milhões de consumidores, quase 3,9% da população mundial.
No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pelo INPAD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas) entre os anos de 2006 a 2012 o índice de usuários foi de 3%, quase 1,5 milhões de pessoas consumiam, em 2012, maconha diariamente, o que segundo os Estados Unidos é um número subestimado já que o Brasil é um dos países que mais apreendem cannabis no mundo, mesmo que não seja um exportador.
Não se pode negar que a quantidade apreendida pela Polícia Federal é realmente elevada, dados atualizados até maio de 2019 mostram que a PF nos cinco primeiros meses do ano apreendeu 48,7 toneladas de maconha.
Dispõe o ministro Luiz Roberto Barroso que a maconha precisa ser vista e tratada como o cigarro, uma vez que o mercado consumidor já é algo tão presente e marcante na sociedade, e sua descriminalização compensará para a erradicação a guerra do tráfico.
A legalização da maconha tem impactos positivos na livre iniciativa, em razão de que a oferta deixaria de ser o tráfico e se tornaria atividade lícita de comércio, regulamentada e fiscalizada, no qual o Estado poderá limitar seus consumidores (maiores de 18 anos, por exemplo) e controlar a qualidade da droga (índice de THC).
Além de favorecer a arrecadação pública com o recolhimento de impostos e gerar mais empregos formais passíveis de serem registrados inclusive em carteira de trabalho.
A regulamentação do comércio da maconha pode resultar em benefícios econômicos significativos, seja na diminuição de gastos com a repressão policial ou com as políticas de combate as drogas e um estancamento no genocídio do povo preto.
Quanto ao possível comercio lícito da maconha, pode-se estimar com base no número de usuários e no preço que a substância é vendida, os tributos arrecadados com a sua regulamentação, de acordo com os impostos que recaem sob o cigarro.
Segundo um estudo realizado em 2016, com esses parâmetros, a Consultoria Legislativa estipulou que a arrecadação em tributos da receita chegaria a mais de 5 bilhões de reais, considerando os dados obtidos em 2014.
Ou seja, além de economizar mais de R$ 997,3 milhões de reais, estimular a livre iniciativa e aquecer a economia, o Estado conseguira arrecadar mais tributos que o próprio tabaco, chegando ao montante de R$ 5.022.874.796,91 por ano para o Governo Federal gerir suas despesas com saúde, educação e justiça.
A regulamentação inteligente e justa da Cannabis será uma ferramenta potente no combate ao genocídio do povo preto e ultramente relevante na promoção da saúde, da justiça e equidade racial no Brasil.
A Maconha é nossa, salva vidas e também combate o racismo.
Saravá!
Parafraseando: Blog do Hempadão, AmbitoJurudico.com, Fumo de Negro “A criminalização da maconha no pós-abolição de Luísa Saad
*Paulinho Sacramento é Cineasta, Artista residente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Gestor Cultural e Diretor do Rio Mapping Festival e da Casa de Cultura Saravá Bien.