A medida seria uma resposta à ameaça existencial do país mediante o aumento do nível do mar
Em discurso virtual realizado na COP27, Simon Kofe, ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, anunciou que o país da Polinésia planeja criar uma versão de si mesmo no metaverso. A medida seria uma resposta à ameaça existencial da nação mediante o aumento do nível do mar, um dos reflexos da crise climática global.
Na ocasião, Kofe disse que o plano, que representa o “pior cenário”, envolve a criação de um gêmeo digital da nação para replicar suas belas ilhas e preservar sua rica cultura. “A tragédia desse resultado não pode ser exagerada […] Tuvalu pode ser o primeiro país do mundo a existir apenas no ciberespaço – mas se o aquecimento global continuar sem controle, não será o último”, afirmou.
Em artigo publicado no site The Conversation, Nick Kelly, professor sênior em Design de Interação, e Marcus Foth, professor de Informática Urbana, ambos da Universidade de Tecnologia de Queensland, da Austrália, apontam que a ideia do projeto é que o metaverso possa permitir que Tuvalu “funcione plenamente como um estado soberano”, enquanto a população seria forçada a viver em outro lugar por causa da crise climática.
Os especialistas observam que há duas formas de encarar essa decisão. A primeira é “de uma pequena nação insular no Pacífico que enfrenta uma ameaça existencial e procura preservar sua nacionalidade por meio da tecnologia”. A segunda é que, “o melhor para o futuro de Tuvalu seria evitar os efeitos da mudança climática, preservar a nação terrestre. Nesse caso, a estratégia esta pode ser sua maneira de chamar a atenção do mundo”.
Nação no metaverso
De acordo com Simon Kofe, três aspectos da nacionalidade de Tuvalu poderiam ser recriados no metaverso:
- Território: a ideia é recriar as belezas naturais do país, permitindo a interação de diferentes maneiras;
- Cultura: a capacidade do povo tuvaluano de interagir uns com os outros de forma a preservar sua língua, hábitos e costumes, onde quer que estejam;
- Soberania: se houvesse uma perda de terras terrestres sobre as quais o governo de Tuvalu tem soberania, então eles poderiam ter soberania sobre essas terras virtuais.
Sobre o projeto do país, os especialistas Kelly e Foth argumentam que tecnologicamente já é fácil trabalhar em recriações bonitas, envolventes e ricamente renderizadas do território de Tuvalu, e que também é possível ter espaços interativos totalmente virtuais que podem manter a cultura do país.
“A ideia de combinar essas capacidades tecnológicas com características de governança para um gêmeo digital de Tuvalu é viável. Houve experimentos anteriores de governos que pegaram funções baseadas em localização e criaram análogos virtuais delas. Por exemplo, a residência eletrônica da Estônia é uma forma de residência somente on-line que os não estonianos podem obter para acessar serviços como o registro de empresas. Outro exemplo são os países que estabelecem embaixadas virtuais na plataforma online Second Life”, escreveram os professores.
Apesar disso, eles deixam claro que existem desafios tecnológicos e sociais significativos para reunir e digitalizar os elementos que definem uma nação inteira. Dentre eles estão problemas de banda larga, poder de computação e o fato de que muitos usuários não estão acostumados com o uso de óculos de realidade virtual. Além disso, ninguém ainda demonstrou que os estados-nação podem ser traduzidos com sucesso para o mundo virtual.
“A proposta de Tuvalu de criar seu gêmeo digital no metaverso é uma mensagem em uma garrafa – uma resposta desesperada a uma situação trágica. No entanto, há uma mensagem codificada aqui também, para outros que possam considerar a retirada para o virtual como uma resposta à perda causada pela mudança climática”, analisaram os professores.
Outra questão que precisa ser levada em conta, segundo os autores do artigo, é que toda a tecnologia usada para criar e manter o metaverso tem uma pegada de carbono oculta. Sendo assim, a ideia de uma nação metaversa como resposta à mudança climática pode não ser a ideal.
Publicado por Paulinho Sacramento via Renata Turbiani (Época Negócios)